sábado, 20 de novembro de 2010

PREOCUPAÇÕES DE DOM JORGE SOBRE OS PADRES.


No passado dia 16, reuniu o Conselho Presbiteral ao qual D. Jorge Ortiga presidiu. O Conselho Presbiteral é o órgão representativo de todos os sacerdotes, equivalente a um “senado” do Bispo para o governo da Diocese.

Nesta nota, o arcebispo de Braga, Dom Jorge revela algumas preocupações nesta Igreja diocesana a que preside. Mais do que isso, estão patentes alguns dos problemas que a diocese tem vivido com alguns sacerdotes. Relembro aqui os casos recentes ( Fafe e S. Torcato; e outros que não sendo públicos preocupam o responsável desta diocese de Braga). Dom Jorge admite
que a Igreja em Portugal “poderá estar a viver um momento histórico” que a obriga a reposicionar-se face à sociedade actual.

Para este responsável, a Igreja foi desafiada a “repensar-se” para delinear “uma pastoral adequada aos novos tempos”. Aos padres, em particular, D. Jorge Ortiga pediu que sejam “discípulos” e não “mercenários da religião e da caridade”.


Trancrevo o texto de D. Jorge Ortiga para a abertura dos trabalhos sobre o Conselho Presbiteral Arquidiocesano, de terça feira, dia 16 de Novembro de 2010. Os sublinhados são meus.

"A Igreja em Portugal poderá estar a viver um momento histórico. Foi desafiada a “repensar-se” para delinear, no discernimento do Espírito, uma pastoral adequada aos novos tempos. Não é pretensão encontrar alternativas pastorais que visem apenas substituir ou passar a novos modelos.
A crise obriga-nos a ir ao âmago das questões e reconhecer que num mundo em constante transformação não bastam meras adaptações. Inteiramente disponível e liberta para a anunciar a Boa-Nova de Cristo em todo o tempo e lugar, a Igreja testemunhará assim a beleza da presença de Deus no meio do seu Povo.
Deste pressuposto emerge a interpretação da actual crise como ressurgimento de um discipulado a caminho de Emaús, pronto a escutar e a viver a surpreendente novidade da Palavra de Deus. É certo que não se trata duma época muito reconfortante. Não obstante, com ela advém uma nova hipótese e oportunidade para a Igreja se reposicionar teológica e antropologicamente no mundo. Uma leitura crente e orante da realidade poderá fazer voltar o nosso olhar para onde a vida é precária e débil e responsabilizar-nos na credibilização de um Deus amigo dos homens.
Muitos procuram decretar a morte de Deus e da religião. Por vezes, isso é fruto do testemunho de crentes que vivem a sua fé ao nível mais básico, baseada em ritualismos, expressões eclécticas e individuais. Surpreendentemente, a sede de espiritualidade, de ética nas relações pessoais e nas instituições, de reconhecimento dos valores humanos como caminho de construção de um novo mundo, manifesta o drama existencial daqueles que tentam eliminar Deus das suas vidas. Perante os desafios do mundo actual à fé cristã, o Evangelho terá de continuar a ser aquela «frescura metafórica» (Paul Ricoeur) que transforma a vida, sem eliminar a sadia tensão (confronto) entre anúncio e realização da Palavra de Deus.
Nas horas de mudança somos tentados a ceder a um certo saudosismo, que inibe a força e alegria para encetarmos um novo dinamismo pastoral. É imperioso dar espaço e “oportunidade ao inédito”. Se existe medo é porque falta fé e confiança na vontade de Deus, o que é à partida antievangélico. A realização do Evangelho não é fruto da força humana mas da vontade do Espírito Santo, que age no nosso interior e nos empurra para a missão. O espírito Beneditino e Franciscano, para falar em duas referências históricas de recriação pastoral, foram autênticas primaveras na Igreja, de homens e mulheres, que sob acção do Espírito de Deus, encontraram a realização do Evangelho na oração e no trabalho, na pregação e na fraternidade do amor de Deus.

Mas o que nos falta para realizar quotidianamente uma nova primavera na Igreja? Bento XVI, citando João Paulo II na sua homilia do Porto, considera que “a Igreja tem necessidade sobretudo de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis, porque é da santidade que nasce toda a autêntica renovação da Igreja, todo o enriquecimento da fé e do seguimento cristão, uma reactualização vital e fecunda do Cristianismo com as necessidades dos homens, uma renovada forma de presença no coração da existência humana e da cultura das nações”.
Para que esta primavera aconteça é indispensável permanecermos conscientes de que somos os primeiros destinatários do Evangelho, o qual exige de nós fidelidade e seguimento. Como afirma André Foisson “quando anunciamos o Evangelho, sem nos apercebermos, arriscamo-nos a esquecer-nos de continuar a ser os seus primeiros destinatários. Tudo se passa então como se, estando nós adequadamente adaptados ao Evangelho, só nos restasse transmiti-lo ao outro. É um pouco como se não tivessemos mais nada para escutar e receber do Evangelho, mas que, “mestres” passados na arte de o compreender e de o Viver, nos restasse simplesmente ser para outro os destinatários” “Por outras palavras, a questão mais importante para o evangelizador não é saber Como anunciar o Evangelho?, mas antes, o que é que o Evangelho me diz hoje? Em que medida é que o Evangelho é uma novidade boa para mim?” (in Pastoral Catequética, Janeiro 2010, pg. 134-135).
Na aceitação desta visão surge necessariamente um apelo à conversão do nosso modo de estar em Igreja. Por isso, inquieta-me o modo e o tempo que os sacerdotes têm dedicado à Evangelização da Boa-nova de Cristo. Algumas questões se colocam:
  • Onde está centralizada a nossa pastoral?
  • O que nos move?
  • O que é ser discípulo de Cristo, hoje?
  • Quais as nossas preocupações e prioridades fundamentais?
  • A quem e o que é que buscamos?
  • Como acolhemos as pessoas nas nossas comunidades?
  • “A disciplina normativa”, por vezes único critério, é compreendida e devidamente explicitada à luz do Evangelho?
  • Actuamos como discípulos ou como mercenários da religião e da caridade?
  • Será que não temos transformado a nossa vida numa mera auto-realização pessoal dos nossos projectos?
São muitos os bons exemplos de padres e leigos que seguem a Cristo radicalmente e que levam uma vida coerente com aquilo em que acreditam.
Contudo, outros permanecem à margem do Evangelho e da comunhão eclesial. Espero que este Conselho Presbiteral, com a doação de cada um, possa ser uma ajuda preciosa para a mudança de paradigma na Arquidiocese e em Portugal.
Uma certeza acompanha-nos: não basta adaptar modelos; é preciso que cada um se sinta parte implicada nessa mudança. Que o Verbo encarnado, por intercessão da Virgem Maria, nos ajude sempre a discernir caminhos novos de comunhão em prol da Igreja e da humanidade."
† Jorge Ortiga, A.P

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